Física Quântica Não é Achismo.

Priss Guerrero/ agosto 10, 2015/ Tecnologia

ROCK ON!

Olá caros leitores, aqui quem fala é Lucas Balaminut!

Vagando pela internet, eu me deparo com muitas pessoas que pensam que mecânica quântica é puro achismo e que os físicos não sabem muito bem o que estão falando. Como eu tô cansado de ver esse tipo de opinião baseada em falta de conhecimento e desinformação, fiz este textinho didático pra ajudar a entender um pouco mais de física moderna.

Se alguém quiser adicionar algum conteúdo ou souber de alguma correção, por favor, sinta-se à vontade pra deixar a revisão nos comentários. Esta leitura funciona bem melhor se assistir os vídeos espalhados pelo texto – eles não estão aí de bobeira, ok?

Acredito que muito da confusão que se da sobre física quântica vem do fato de que a física e a química que aprendemos no colégio está desatualizada. Elas não estão necessariamente erradas, mas já faz quase 100 anos que muitos conceitos foram aprimorados.

Lá no início do séc. XX, a física era dita como quase completa e, com seus modelos, era possível explicar e prever quase todos os fenômenos da natureza. Porém, alguns pequenos probleminhas persistiam. Um dessses probleminhas se tornou um problemão com o experimento da dupla fenda.

O experimento é bem simples: um canhão atira partículas, uma de cada vez, em direção a um sensor em forma de placa. Entre a placa e o canhão está uma parede com duas fendas. Quando atiramos os fótons ou elétrons pelo canhão, podemos ver onde ele está batendo na placa. Quando olhamos pro resultado, vemos que é impossível que cada elétron ou fóton tenha viajado como um ponto, mas o resultado é totalmente compátivel com uma onda que foi dividida em duas pelas fendas no meio do caminho. Este experimento é bem simples e pode ser feito em casa:

Descobriu-se que uma partícula se comporta tanto como uma onda, quanto uma partícula clássica (um pontinho no espaço). Este efeito é chamado de dualidade onda-partícula.

 

 

Uma vez que descobrimos isso, faltava saber por que as partículas se comportam ora como ondas e ora como corpúsculos. Porém, toda vez que se tentava medir a onda durante seu trajeto, antes que ela batesse no sensor, a onda virava uma partícula no momento da medição. Achava-se que era um problema com o experimento, mas depois descobrimos que a dualidade é real quando encontramos uma forma de vê-la sem interferir em suas propriedades. Em vez de usar sensores sensíveis a luz, usamos sensores sensíveis ao campo magnético. Este vídeo mostra uma das primeiras fotos que foram feitas com esse método:

Mas o que é essa onda? Os físicos achavam que cada ponto da onda representava uma chance maior ou menor de encontrar a partícula, mas que ela estaria sempre em um único lugar. Porém, descobrimos que cada ponto da onda representa uma chance maior ou menor de ser a partícula, como se ela pudesse se espalhar em milhares de pontos. Este conceito é extremamente contra-intuitivo. Como pode algo não estar em um único lugar, mas estar em vários lugares? Como pode o fato de estar se tranformar em chances de estar em algum lugar? Muitos duvidaram que isso seria possível pois é diferente de tudo que já vimos na mecânica clássica.

Einstein era um deles e, em resposta ao problema, ele disse que “Deus não joga dados”. Neste caso, vale a pena dizer que ele não se referia a um Deus de maneira religiosa, mas mais como “universo”, “natureza” ou ainda “leis da física”. Porém, foi provado que a onda é bizarra mesmo; Einstein se arrependeu profundamente de ter dito aquilo e passou a ajudar a desenvolver a mecânica quântica. Os experimentos que provam este conceito são bem complicados, mas o mais simples deles foi extremamente bem explicado neste vídeo:

O impacto desta mudança de paradigma é profundo. Por exemplo, antes acreditávamos que os elétrons ficavam girando em volta do núcleo do átomo; hoje sabemos que o elétron pode se espalhar em volta do núcleo, formando uma camada ou uma bolha. Um átomo com vários elétrons pode ser como um núcleo dentro de uma bolha, que está dentro de outra bolha, como uma boneca russa, ou as camadas podem estar em superopsição. O processo de passar um elétron de uma camada para a outra cham-se salto quântico; quando isso acontece, um fóton é liberado. Essa onda de luz só podem viajar carregando quantias de energia fixas; essas quantias foram chamadas de “pacotinhos”, ou quanta. Dessa maneira, quanta apenas quer dizer uma quantidade discreta, que não pode ser quebrada. Para cada frequência de luz existe uma quanta certa de energia.

Também descobrimos as caracterísitcas de cada partícula: carga, massa e spin. Este último é parecido com o efeito de uma esfera girando em torno de sí mesma com a força perpendicular em seus pólos, mas é mais complicado que isso. Cada partícula tem um spin definido que reage com as partículas a sua volta. Mais que isso, em condições bem específicas, duas partículas se ligam de uma forma que o spin de uma é o completo oposto da outra. Chamamos isso de entanglement. Se você ligar duas partículas antes de saber o spin delas e, depois, levar uma partícula pra um ponto A e a outra pro ponto B, no momento em que você medir o spin da partícula A, você sabe que o spin da partícula B é exatamente o oposto. Isso permite o que chamamos de quantum teleportation. Antes de mais nada, isso não é nenhum tipo de teleporte, em hipótese alguma, apesar do nome sugestivo. O fenômeno apenas quer dizer que quando você mede o spin de uma partícula, você sabe o spin da outra instantaneamente, mesmo se uma partícula estiver muito longe da outra. O legal é que isso foi muito bem provado.

https://www.youtube.com/watch?v=PWuCXcoXNts

O recorde de quantum teleportation é de 25 km. O problema é transportar as partículas sem que elas percam o ligamento.

Scientists Are Beaming Over Quantum Teleportation Record

Porém, ainda estamos limitados ao sistema booleano: o switch só pode estar está ligado ou desligado, 0 ou 1. Muitas pesquisas estão trabalhando em como gravar informação usando as ondas da partículas; em vez de 0 ou 1, teríamos um espectro imenso devido a onda de probabilidades e as superposições, o que aumentaria a capacidade de guardar informações em escalas enormes. Além disso, pesquisadores também trabalham em usar o entanglement pra acelerar a capacidade de processamento. Hoje, o computador faz cálculos mudando os 0s e 1s um após o outro (como dominós em uma fila, um vai empurrando o outro); com o entanglement, quando uma partícula tem seu spin medido, sabemos o spin da outra instantâneamente, o que faria com que todos os 0s e 1s mudem ao mesmo tempo (como em uma fila de dominós que todos caem simultaneamente).

O maior problemo do computador quântico é que, pra conseguir controlar estes fenômenos, precisamos de temperaturas baixíssemas. Imagine um computador com enormes tubos de nitrogênio líquido ao lado. Mesmo assim ainda é difícil fazer um Qbit funcionar pois estamos lidando com escalas extremamente pequenas, qualquer mínimo distúrbio distorceria o resultado.

Outro exemplo prático do uso do spin são as máquinas de ressonância dos hospitais (aqueles em que o paciente entra deitado em um cilindro). A máquina usa a mudança de spins das moléculas de água do seu corpo para escaneá-lo. Infelizmente, não tem página equivalente em Português, mas vale deixar a explicação completa aqui:

Magnetic Resonance Imaging – Procedure

Spin–lattice relaxation

Spin–spin relaxation

Nem a astronomia escapa! Antes da mecânica quântica, não sabíamos como explicar como era possível a existência objetos de densidade absurda, como as anãs brancas, estrelas que esgotaram todo seu estoque de hidrogêneo. É a energia dos elétrons espalhada em forma de onda de probabilidade que balanceia este tipo de estrela, tornando seu corpo estável mesmo muito denso.

O problema da física quântica é que, com tantos conceitos diferentes do que estamos acostumados no dia-a-dia, tão diferentes da mecânica clássica, é um prato cheio pra pseudociências. Acho importante deixar claro que quântica não estuda paranormalidade, outros mundos, alma, vida após da morte, ou nada desse tipo. Ela nem sequer tenta explicar isso. Robert Lanza, The Secret, “lei da atração”… tudo isso vem de interpretações equivocadas, não experimentais, ou calúnias mesmo, feitas pra se aproveitar de pessoas que acreditam em qualquer coisa que gostariam que fosse verdade, pra vender livros, DVDs, revistas, etc. Um pouco do por que essa confusão acontece:

Com mecânica quântica conseguimos construir o Modelo Padrão, que classifica as partículas, explica suas interações, e prevê resultados com 20 casa decimais de precisão (valeu por lembrar, Igor Alcantra ;D ). Todas as características do modelo padrão foram provadas experimentalmente. A última peça que faltava, o Higgs de Boson, foi encontrada em 2012.

Ainda há muitos mistérios na física, como o problema da supersimetria: se matéria e anti-matéria são sempre criadas simultaneamente e na mesma quantidade, e sempre desaparecem também ao mesmo tempo e em mesma quantia, por que vemos muito mais matéria do que anti-matéria no universo? O que explica essa falta de simetria no universo? E se o universo é simétrico, aonde está toda a anti-matéria equivalente a toda matéria que conhecermos? O que provocou seu isolamento de nós?

Infelizmente, é difícil achar material em português que seja bom e didático, e que não mistura ciência com interpretações filosóficas. Mas se você gosta de viajar na filosofia, não tem problema, eu também adoro. Recomendo este texto muito bacana sobre multi-versos que mandei pro SciCast, podcast de ciências, em resposta ao episódio sobre Forças da Física:

A Voz do Ouvinte #02: Não viaje na viagem no tempo

Recomendo ainda:

SciCast: Luz

Nerdcast: Quantificando a Física Quântica

Dragões de Garagem: Teorias, colchões quânticos e o carma de Newton

Dragões de Garagem: Modelos Atômicos

Dragões de Garagem: A descoberta do bóson de Higgs e seu espectador brasileiro
(entrevista com Rogério Rosenfeld, físico brasileiro que esteve presente no CERN)

Dragões de Garagem: Teoria da Relatividade Geral

Documentário sobre Einstein e a física quântica

Estamos longe de entender todo o mundo microscópico. Porém, o conhecimento que já temos é muito bem embasado. Na era da informação, com tantos divulgadores bacanas como Vsauce, Veritasium, Minute Physics e Sixty Symbols, não tem desculpa pra pensar que física quântica é achismo. Lembrem-se: “busquem conhecimento”.

ROCK OFF!

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